Archive for abril 2013

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O SABOR DA SUSTENTABILIDADE


O médico e empresário alagoano Lenildo Amorim viu nas suas terras, em Junqueiro, a oportunidade de desenvolver um negócio baseado no modelo sustentável. Em 2003, fundou a Brejo dos Bois, empresa que produz cachaça e mel de engenho orgânico. Mas não parou por aí.  Ele buscou promover ações de conscientização entre os funcionários, parentes e moradores das comunidades ao redor da propriedade com o propósito de sensibilizá-los sobre a importância da preservação do meio ambiente, através de práticas sustentáveis

Por Elayne Pontual e Francisco Ribeiro

Ela compõe o estoque de bebidas de qualquer boteco, barzinho ou restaurante de norte a sul do País. Mas também pudera. Com mais de 500 anos, a queridinha do Brasil já foi adotada pelo imaginário popular, sendo inserida em letras de músicas, na literatura e até no cinema. Nesse último, ela acabou sendo personagem principal de um documentário cuja proposta era contar a sua longa história.

Ainda não conseguiu descobrir qual bebida é essa? Lá vão mais duas dicas: é obtida com a destilação do caldo de cana de cana-de-açúcar fermentado e é usada na tradicional receita do coquetel mais apreciado pelo paladar dos brasileiros e estrangeiros, a caipirinha.

Agora ficou fácil, não é?

Conhecido como cachaça, ela ganhou diversos apelidos como pinga, cana ou canha, nomes dados à aguardente de cana, uma bebida alcoólica tipicamente brasileira.

Contando com meio século de história, o processo de fabricação da cachaça se manteve basicamente o mesmo.  Até o momento em que o médico alagoano Lenildo Amorim da Silva, 50, teve a ideia de produzir uma cachaça sustentável, na Fazenda Brejo dos Bois, em Junqueiro.

Médico com visão empreendedora,Lenildo Amorim da Silva inovou ao buscar aliar sustentabilidade na fabricação dos produtos da Brejo dos Bois (Foto: Divulgação) 
Batizado com o mesmo nome da sua propriedade, a Brejo dos Bois é o primeiro empreendimento do Estado a fabricar produtos orgânicos derivados da cana de açúcar, a exemplo da aguardente de cana (cachaça tradicional, envelhecida e com mel) e mel de engenho.

Conforme rememora Lenildo, a decisão de investir no reflorestamento e na produção orgânica de cana veio quando ele notou que a lógica cruel do desmatamento sem controle, para aumentar a área de produção, estava secando as fontes de água.

“Na época, tinha uma propriedade na cidade de Junqueiro sendo usada apenas para pastagem e campo de vaquejada. Então, decidi produzir algo nessas terras, pois a região oferecia condições climáticas favoráveis ao cultivo de cana de açúcar, mas usando mecanismos que não gerassem tanto danos ao meio ambiente”, conta.

O apoio do Sebrae foi crucial para o empresário descobrir diferentes formas de agregar valor a futura produção. A opção que mais lhe encheu os olhos foi a fabricação sustentável da cachaça e derivados, a exemplo do mel e da rapadura.

Máquinas do processo de produção da cachaça (Foto: Divulgação)
Em 2003, Lenildo abriu a empresa e, desde então, o negócio vem apresentando bons lucros. Segundo ele, atualmente, são produzidas sete toneladas de mel e 30 mil litros de cachaça por ano. Deste total, 95% são distribuídos para Alagoas, “o restante vai para o resto do Brasil”, conta.

A cachaça é produzida em dez hectares de terra, sem nenhuma utilização de agrotóxicos. A colheita manual é realizada nos meses de outubro a fevereiro, sem incendiar a plantação. “Para que a cana não vá ficando ácida e estrague o seu sabor é necessário evitar a exposição demorada ao sol”, revela o proprietário.

O conjunto dessas ações trouxe para a empresa o selo de certificação orgânica concedido pelo Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD), que atesta os preceitos da produção agroecológica.


Segundo Lenildo, a classe A e B são os maiores compradores de seus produtos. “Fabricarmos produtos sustentáveis agrega valor à marca, o que torna a cachaça feita pela empresa diferente das demais existentes nesse mercado”, afirma.

Preservação ambiental aliada a ações sociais

A empresa alagoana além de ter como preocupação a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente, também envolve todos os colaboradores, familiares e pessoas do entorno da região a zelar pela mata nativa, praticar o reflorestamento e preservar seus mananciais.

Sustentabilidade comprovada: os produtos da Brejo dos Bois possuem certificação orgânica e seguem as normas do IBD (Foto: Divulgação)
Até o ano passado foram plantadas 10 mil árvores nativas de Mata Atlântica, como a maçaranduba, pau-brasil, ipê roxo, ipê amarelo, ipê branco, canafístola, e frutíferas, além do cajueiro, jaqueira e mangueira. “O reflorestamento recuperou as fontes de água, cujo líquido usado na produção vem dessas nascentes”, diz.

Em 2007, contando com o apoio da prefeitura de Junqueiro, foi dado início a um projeto que visava inserir a comunidade local em sua propriedade. Já em 2012, foi implantada uma horta educativa no local para o fornecimento de hortaliças orgânicas. A produção é repassada para três escolas localizadas no município e usadas na merenda dos alunos.

A Brejo dos Bois, portanto, ultrapassa a prática sustentável, ao desenvolver trabalhos sociais com a comunidade que vive ao redor da propriedade.

“Buscamos estimular a preservação de reservas florestais e a prevenção ao desperdício dos recursos naturais. Além disso, realizarmos na empresa campanhas internas sobre a importância da sustentabilidade e do cuidado com o meio ambiente”, garante Lenildo. E.P.|F.R.

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RONA SILVA: A ESCOLHA PELO ECODESIGN E A IDENTIDADE CULTURAL ALAGOANA


Com o talento de perceber múltiplas possibilidades para a reutilisação do lixo, o designer alagoano Ronaldo Edson da Silva explora formas arrojadas e mecanismos criativos para criar objetos úteis, ecologicamente corretos e super práticos no dia-a-dia. Mas, suas obras se destacam, sobretudo, pela presença de elementos que remetem as manifestações populares que presenciou durante a infância. Sua memória afetiva dá contorno e textura às suas criações, atribuindo ao lixo o status de arte. Mesmo assim, Rona é pouco conhecido em sua terra natal

Por Francisco Ribeiro e Elayne Pontual

O termo design sustentável é recente, surgiu em meados da década de 1990, e desde então vem despontando no mercado mundial como uma saída para a redução do consumo de matéria-prima, de energia e do lixo gerado por meio da fabricação de um produto até o seu descarte.

Com possibilidades diversas, a proposta do ecodesign – como também é denominado essa vertente do design – foi introduzida no trabalho de artistas e profissionais da área, cujo conceito é norteado também pela preocupação em traçar novos caminhos na defesa do uso de materiais locais e na reflexão sobre a identidade.

Influenciado por tal perspectiva, o designer de produtos e professor universitário Rona Silva, 53, adotou o conceito em seus trabalhos e vem ganhando cada vez mais a projeção dentro e fora do País – ainda que para ele a atividade seja também um “hobby”.

À frente do Studio Carapanã Design, Rona converteu sobras de papelão em mobiliário, luminárias e objetos decorativos para residências (Foto: Divulgação)

“Minhas criações surgem de uma atividade que gosto muito de fazer nas horas vagas e serve como pesquisa de ecodesign e sustentabilidade. Os resultados dos experimentos são empregados nos produtos artesanais e nas aulas que ministro”, disse.

O alagoano expôs na Bienal Brasileira do Design, em 2010. No ano passado, os europeus puderam conferir suas peças numa mostra de design brasileiro, em Amsterdã.

À frente do Studio Carapanã Design, Rona lançou as coleções AGUUU! e Par de Jarros. Ele converteu sobras de papelão em mobiliário, luminárias e objetos decorativos para residências. Sua inspiração vem das festas populares nordestinas, do estilista japonês Kenzo Takada e da teoria do caos, cuja máxima “há ordem na desordem e desordem na ordem” encontra respaldo nas diferentes texturas presentes em suas obras, que fazem surgir uma inesperada harmonia.

Como começou

Enquanto seus quatro irmãos iam jogar bola nas ruas pacatas do município de Murici, Rona Silva ficava em casa, recolhendo descartes para montar seus brinquedos. Aos 6 anos de idade, ele descobriu a técnica ideal para a confecção de aviões, carrinhos, entre outros objetos, que perduraria até hoje: o corte, a dobra, a cola e o encaixe.

As manifestações populares que presenciou ainda garoto também permaneceriam presentes em suas lembranças, compondo parte de sua memória afetiva e que mais tarde daria contorno e textura às suas obras.

Mas foi somente na fase adulta, com a passagem pelos cursos de Mecânica do Ifal (antiga Escola Técnica Federal de Alagoas), de Engenharia Mecânica da Universidade Federal da Paraíba e de Desenhos Industrial na Universidade Federal de Campina Grande, que Rona trouxe à tona todo repertório adquirido durante a infância.

“O conceito ‘do it yourself!’ [em português: faça você mesmo!] ganhou uma dimensão muito importante na construção de minhas criações. Isso se deu de tal maneira que todo meu trabalho pode ser feito de forma manual, semi-industrial, industrial e não necessita de ferramenta para montar”, disse o alagoano, explicando em seguida os passos que levaram suas coleções a ganharem reconhecimento nacional e internacional.

Papelões encaixados dão origem a cadeiras resistentes (Foto: Divulgação)

“Em 2009, criei meu blog, Carapanã Design, incentivado pelos amigos e pelos alunos. Lá, publiquei algumas fotos das minhas peças. Depois de certo tempo, comecei a receber ligações de editores de revistas, pessoas ligadas à moda e empresas de móveis, de todo o país, interessadas no produto”, contou.

Do que é feito?

A matéria-prima para a composição de seus trabalhos veio, principalmente, do lixo do prédio onde mora e tecidos coletados em ateliês ou, em alguns casos, adquiridos em lojas populares do centro de Maceió.

“Certo dia, recebi uma visita especial em meu apartamento: era o estilista Fernando Perdigão. Ele viu no chão uma cobra feita com tampas de garrafas de refrigerante e ficou bastante interessado no produto. 

Tamborete Cabelo, uma das criações do alagoano Rona (Foto: Divulgação)

Recentemente, fui convidado por ele para desenvolver uma linha de acessórios para compor as peças do desfile realizado no TrendHouse e usei como base esse mesmo conceito e, também, a matéria-prima”, rememora.

O resultado do trabalho irá compor a coleção Cobra Grande, que está em finalização.

Depois de várias idas e vindas a Alagoas, Rona continuou encontrando dificuldades para produzir suas peças no Estado. “Já recebi convite da Micasa, uma das mais importantes lojas de móveis do País, para produzir uma grande quantidade de Poltronas Matuta, mas por conta da dificuldade em encontrar matéria-prima suficiente e mão-de-obra, tive que deixar de lado a proposta. Pelo menos, nesse momento. Além disso, quase não há incentivo do governo para o design local”, observou.

Apesar das adversidades, o Rona não desanima e permanece em busca de diferentes matérias-primas para sua nova coleção.

“Estou pesquisando sobre os roletes de cana, especificamente o palito que é usado para espetar os pedaços de cana. Ele se assemelha a estrutura de mobiliário. Provavelmente, irei lançar uma coleção com objetos feitos desse material. Sempre inserindo neles elementos vindos da minha memória afetiva e das manifestações populares que presenciei em Alagoas”, afirmou.

Pesquisa acadêmica

Rona não é o único alagoano a se interessar por design sustentável. A aluna do curso tecnológico de Design de Interiores, do Instituto Federal de Alagoas (IFAL), Ingrid Nicácio Ferreira, defendeu seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em 2011, intitulado “Uma discussão do design sustentável: proposta experimental para mobiliário com tubos de papelão”. O trabalho segue o princípio do ecodesign, propondo a discussão sobre a sustentabilidade, através da reutilização de materiais descartados na natureza.

Ingrid fez parte do Núcleo de Pesquisa em Design (NPDesign), trabalhando com a professora e pesquisadora Áurea Rapôso no projeto MobPET, que busca reflexões a cerca de mobiliários com garrafas pet. Foi através do MobPET que a aluna não só pensou seu TCC como imaginou um novo projeto, desta vez inspirado em mobiliários construídos com papelão, o MobPAPER.

“A Ingrid tem um perfil diferenciado. Ela faz parte daquele grupo de alunos que não se interessam apenas pelo diploma, mas que buscam também a extensão e a pesquisa”, revela Áurea.

A ex aluna de Áurea ainda fez parte de oficinas e cursos voltados para a comunidade, um deles foi realizado na Vila Emater II, antiga favela do Lixão de Alagoas. Os projetos MobPET e MobPAPER resultaram em diversos trabalhos científicos, nacionais e internacionais, e estão disponibilizados gratuitamente na internet.

Uma das questões mais discutidas na Banca Examinadora foi a lógica de consumo da sociedade atual. “Não são as pessoas, individualmente, que vão dar um fim aos problemas ambientais. Há todo um sistema de ações e de atores, como os produtores, as empresas e os designers. Todos estão interligados”.

“Se todos não repensam essa questão da lógica do consumo, a gente fica sem possibilidades de ponderar um futuro promissor para a habitação nesse planeta. Projetos desse tipo são interessantes para que os seres humanos reflitam um pouco sobre questões que estão relacionadas à nossa época”, esclareceu a professora.

Uma função importante do projeto apresentado por Ingrid é a disseminação e divulgação no ambiente acadêmico. “Eu vejo o TCC da Ingrid como um trabalho que pode vir a ter um efeito multiplicador positivo no âmbito acadêmico do Ifal e de outras Instituições locais, ou até mesmo contribuir nacionalmente para essa discussão”, afirmou Áurea.

Segundo a professora, a academia enfrenta uma carência de estudos específicos que abordem a relação da sustentabilidade com o Design, com as cadeias produtivas, com o produto, o consumo e o mercado.

A principal contribuição que pessoas como Ronan e Ingrid oferecem à sociedade, é a refleção sobre a politização das práticas que são feitas por todos os agentes, que não se resume ao design, mas a toda sociedade que compra, consome e gera demandas. Além dos empresários, dos distribuidores e dos fornecedores que alimentam a cadeia de produção.

Para Áurea, “o trabalho destes alagoanos traz à tona temáticas atuais que ajudam na modificação do pensamento e da conduta em relação aos recursos e ao espaço de habitação que nós ainda temos”. E.P.|F.R.